O Júnior, o Pleno e a Fatalidade

Andre AlmeidaAndre Almeida
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Era um dia ordinário, desses que começam com o cheiro de café requentado e uma angústia sem nome. O menino – que até ontem era júnior – sentou na cadeira torta do escritório e, sem querer, fez o mundo girar. Não houve trombetas, nem discursos inflamados. Não foi um triunfo, foi uma fatalidade.

Abriu o notebook, piscou os olhos pesados de sono e, num gesto quase banal, desvendou o mistério que os barbudos da equipe mastigavam há semanas. O bug – esse demônio de código, essa assombração que fazia os logs gritarem de dor – morreu ali, sem resistência, como um velho corrupto que cai fulminado no almoço de domingo.

E então, o grande momento. O chefe, uma criatura pálida que vivia sepultada entre planilhas, sequer levantou os olhos. Murmurou um "valeu", com a mesma solenidade de quem agradece o troco no caixa. O resto da equipe olhou de lado. Primeiro, a incredulidade. Depois, o respeito. Mas nada foi dito.

E o menino? Ah, o menino apenas coçou a nuca e fechou o notebook. Não percebeu que, naquele instante, seu destino tinha mudado. Ontem mesmo ele era o sujeito que rabiscava dúvidas no caderno, que perguntava "por que isso funciona assim?" como quem contempla o mar pela primeira vez. Hoje, já não pergunta tanto. Já não persegue respostas – sabe, ou finge que sabe, e no fim dá no mesmo.

O júnior virou pleno sem que ninguém batesse o martelo. Sem diploma, sem festa, sem ritual de passagem. O tempo – esse facínora – fez o serviço sem pedir licença.

E ele foi embora como se nada tivesse acontecido. Jogou a mochila puída nas costas e saiu assobiando, sem a menor consciência de que havia atravessado um portal invisível. Mas ficou um rastro. Na mesa desarrumada, um código limpo. Nos olhos dos plenos e sêniores grisalhos, um lampejo de reconhecimento.

A vida na tecnologia é um teatro onde as cortinas se movem sem aviso. Um dia, você é o menino que rega as plantas; no outro, já está podando os galhos sem perceber que o jardim cresceu. O júnior virou pleno porque era preciso, porque o bug ordenou, porque o tempo não espera.

E amanhã? Amanhã ele sentará na mesma cadeira bamba, tomará o mesmo café morno e, sem perceber, já será outra coisa. Talvez um líder, talvez um mestre. Ou talvez só um sujeito que aprendeu a escutar o vento nos cabos da rede – esse vento que sopra, cruel e inevitável, até que um dia ele também se torne apenas uma fotografia na parede e um nome esquecido nos commits antigos.

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