Kisunla (donanemabe): um novo capítulo no enfrentamento do Alzheimer no Brasil

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A doença de Alzheimer é, para muitas famílias, um “ladrão silencioso” que invade aos poucos, levando embora lembranças, rotinas e, por fim, a própria identidade das pessoas. Com a aprovação do Kisunla (donanemabe) pela Anvisa em maio de 2025, surge um ponto de inflexão nessa batalha. O anticorpo monoclonal da Eli Lilly não encerra a história da doença, mas oferece — pela primeira vez no país — uma estratégia comprovada para retardar o declínio cognitivo em fases iniciais.


1. Como o Kisunla atua?

Em condições saudáveis, proteínas beta-amiloide são metabolizadas e eliminadas do cérebro. No Alzheimer elas se acumulam, formando placas tóxicas que inflamam neurônios e aceleram a perda sináptica.

Mecanismo: o donanemabe se liga a um epítopo específico dessas placas (pE3-Aβ), marcando-as para remoção por micróglia. À medida que a “poda” acontece, o metabolismo cerebral se estabiliza e o avanço clínico desacelera.

Essa lógica lembra um jardineiro: ao eliminar galhos doentes, ele preserva o vigor da árvore.


2. Regime de tratamento

EtapaDoseFrequênciaDuração total*
Fase de indução (3 doses)700 mgUma infusão a cada 4 semanas8 semanas
Fase de manutenção1 400 mgA cada 4 semanasAté 18 meses

*O protocolo pode ser interrompido precocemente se exames de imagem mostrarem remoção substancial de placas.

Infusões duram ~1 h em ambiente ambulatorial. Antes de cada aplicação, o paciente passa por verificação clínica e, a cada trimestre, por ressonância para monitorar ARIA (edema ou hemorragia cerebral leve associada ao tratamento).


3. Evidências clínicas

Estudo TRAILBLAZER-ALZ 2

  • Amostra: 1 736 voluntários (comprometimento leve ou demência inicial).

  • Resultado primário: até 35 % de redução na progressão clínica (escala iADRS) versus placebo em 18 meses.

  • Tempo até piora funcional: prolongado em ~7,5 meses.

  • Placas amiloides: níveis “normalizados” em 71 % dos tratados, ante 13 % no grupo controle.

Esses números não representam cura, mas equivalem a “pausar” parte dos sintomas por quase um ano — impacto considerável na qualidade de vida.


4. Quem pode (e quem não pode) receber?

Elegíveis

  • Diagnóstico confirmado de Alzheimer leve (MMSE ≥ 20) ou demência inicial

  • Evidência de placa amiloide por PET ou líquor

  • Idade ≥ 60 anos (estudos incluíram 60–85)

Contraindicações & cautelas

  • Uso regular de anticoagulantes

  • Angiopatia amiloide cerebral prévia

  • Doenças cardiovasculares instáveis

  • Portadores ApoE ε4 têm maior risco de ARIA

Efeitos adversos mais comuns: febre leve, cefaleia e reações no local da infusão — geralmente manejáveis.


5. Comparativo de terapias modificadoras

MedicamentoAlvoViaStatus no Brasil
Kisunla (donanemabe)Placa Aβ pE3IV mensalAprovado (2025)
Leqembi (lecanemabe)Aβ protofibrilasIV quinzenalEm análise
Aduhelm (aducanumabe)Aβ agregadaIV mensalNão submetido
Sintomáticos (donepezila, rivastigmina)AChE / NMDAOral / patchDisponíveis

Kisunla destaca-se por regime menos frequente e critério de cessação antecipada, reduzindo ônus logístico.


6. Impacto no sistema de saúde

  1. Diagnóstico precoce obrigatório – IA em exames de imagem e testes cognitivos digitais deve ganhar espaço

  2. Infraestrutura de infusão – ampliação de salas dedicadas e MRI de follow-up

  3. Custos – etiqueta nos EUA é ~US$ 26 k/ano; definição de preço e reembolso no SUS em debate

  4. Equidade regional – necessidade de políticas para PET-CT móvel e centros de referência no interior


7. Próximos horizontes

LinhaAbordagemObjetivo
Combos anti-Aβ + anti-tauDonanemabe + anticorpo anti-tauAtacar cascatas paralelas
Vacinas peptídicasImunidade ativaPrevenção em pré-sintomáticos
Edição genética (CRISPR)Silenciar APP/ PSEN1Casos familiares
IA multimodalPET + biomarcadores de sangueDiagnóstico 5–10 anos antes

8. Conclusão

Tal qual a penicilina inaugurou a era antibiótica, Kisunla inaugura a era das terapias modificadoras do Alzheimer no Brasil. Ele não devolve memórias perdidas, mas desacelera o avanço e compra tempo precioso para pacientes e cuidadores.

O desafio agora é transformar esse marco regulatório em benefício acessível e equânime — unindo política pública, inovação diagnóstica e educação médica.


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