Autonomia e Controle: o dilema de delegar decisões à IA

Matheus KemerMatheus Kemer
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Relatórios recentes de grandes consultorias apontam o mesmo problema: a adoção escalável da inteligência artificial nas empresas não esbarra mais em limitações técnicas, mas sim em barreiras culturais. Não falta modelo, nem infraestrutura. O que falta é disposição das lideranças para transferir poder decisório a sistemas que aprendem sozinhos. A última pesquisa da McKinsey [1] é clara: o gargalo não está na tecnologia, mas nas pessoas.

O que era um debate técnico virou pauta estratégica, jurídica e ética.

Eficiência sem responsabilidade não escala

Delegar decisões a algoritmos traz velocidade. Plataformas ajustam preços em tempo real, sistemas logísticos otimizam entregas em milissegundos e corretoras reequilibram carteiras automaticamente. Mas cada automação transfere, também, a responsabilidade. E quando o modelo erra? Quem responde? O desenvolvedor? O gestor? A empresa?

Como alguém que vive no dia a dia o desafio de implementar IA de forma prática e ética, vejo que essa hesitação das empresas é mais do que natural. Estamos mexendo na forma como se decide dentro das organizações. E isso toca diretamente o poder, a confiança e a cultura.

Casos reais mostram o risco

Em 2019, o Apple Card, emitido pelo Goldman Sachs, entrou na mira do regulador financeiro de Nova Iorque depois que usuários começaram a relatar no Twitter que os limites de crédito oferecidos para homens eram muito maiores do que para mulheres, mesmo com perfis financeiros quase idênticos [2]. O caso deixou claro o seguinte ponto: quando a lógica de decisão fica invisível, o risco de intervenção do governo e desgaste de reputação cresce rápido. E isso vale até para marcas que são referência em inovação e confiança.

Outro exemplo vem do mercado financeiro. O “flash crash” de 2010, que derrubou o Dow Jones em quase 9% em minutos, foi causado por ordens automatizadas que ninguém conseguiu parar a tempo [3]. E o caso do Boeing 737 Max é mais grave: falhas no sistema MCAS, que deveria atuar sem intervenção humana, levaram à morte de 346 pessoas. Em 2025, a Boeing aceitou um acordo de mais de um bilhão de dólares para encerrar a nova acusação criminal. [4]

Esses episódios deixam claro que o custo da negligência é altíssimo. E que não dá mais para operar IA como uma “caixa preta”.

O piloto automático da aviação como analogia

Na aviação, o piloto automático assume o cruzeiro, mas a tripulação continua monitorando tudo. A lógica para IA nas empresas deveria ser a mesma. O modelo decide, mas dentro de parâmetros definidos, com logs auditáveis e botão de pausa disponível.

Reguladores já estão reagindo

O Ato Europeu de Inteligência Artificial [5] já está em vigor e impõe regras claras para sistemas de alto risco: documentação, rastreabilidade, intervenção humana obrigatória. E não é porque a lei é europeia que empresas brasileiras estão fora. Quem exporta ou atende consumidores da região já precisa estar em conformidade.

Esse movimento aponta para um futuro em que justificar decisões algorítmicas será tão comum quanto apresentar balanços auditados.

Como calibrar o nível certo de autonomia

  1. Mapeie os processos por impacto e frequência;

  2. Defina limites claros para a atuação dos modelos;

  3. Registre todas as decisões automatizadas;

  4. Simule cenários adversos para testar estabilidade;

  5. Crie um comitê de supervisão multidisciplinar.

Erro dos dois lados

Automatizar sem controle leva a erros graves e perda de confiança. Mas exigir validação humana para cada decisão também trava o ganho de escala. O equilíbrio entre autonomia e supervisão é o diferencial competitivo.

O caminho que acredito – e que construímos na Kolabs

Na Kolabs, nosso foco tem sido esse desde o início: entregar soluções baseadas em IA que melhorem performance sem comprometer ética. Acreditamos que é possível escalar automação e, ao mesmo tempo, preservar responsabilidade. O ponto de partida não é só o código. É o propósito com que ele é usado.

Sei que confiar em um sistema é um processo. Exige transparência, métricas claras e capacidade de intervenção humana. Mas vejo um futuro onde isso será natural. Onde empresas terão, sim, IA nos seus processos críticos, mas com governança incorporada desde o início. Onde cada decisão gerada por máquina poderá ser explicada, auditada e, se necessário, corrigida.

Conclusão

Delegar decisões à IA não é abdicar do controle. É criar estruturas que permitam à tecnologia operar com eficiência sem abrir mão da responsabilidade. Quando bem feita, essa combinação vira motor de crescimento. Quando negligenciada, vira risco sistêmico.

Não acredito em IA como fim. Acredito em IA como meio. E cabe a nós, enquanto líderes, definir onde ela agrega valor e onde precisamos continuar humanos.

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Matheus Kemer
Matheus Kemer

Empresário, CTO e especialista em Inteligência Artificial, com mais de 10 anos de experiência prática em tecnologia, inovação e impacto estratégico. Atuo na liderança de projetos digitais, automação empresarial, arquitetura de sistemas e desenvolvimento de produtos, sempre com foco em eficiência, escalabilidade, sustentabilidade e impacto real nos negócios.